Beira Interior

Os vinhos da montanha

Altitude para que serve? Para o apreciador de vinhos, a altitude é talvez a característica que mais facilmente define a Beira Interior. Mas esta região é muito mais do que os seus planaltos e montanhas: da diversidade das sub-regiões à singularidade das castas de uva locais, passando pelo fantástico património das vinhas velhas e pela preservação ambiental, a Beira Interior é todo um reservatório de autenticidade vitivinícola, onde qualidade e diferença andam sempre de mãos dadas.

OS VINHOS DA BEIRA INTERIOR SÃO, NÃO HÁ DÚVIDA

FORTEMENTE INFLUENCIADOS PELA ALTITUDE

Rodeada de serras (Estrela, Gardunha, Malcata e Marofa serão as principais), as vinhas estão normalmente plantadas em zonas planálticas ou de encosta, entre os 350 e os 750 metros de altitude, tornando esta região vitivinícola na mais alta de Portugal.

Mas que interferência tem esse fator na qualidade e perfil dos vinhos? Numa explicação simples, com a altitude, a atmosfera torna-se menos densa e a pressão atmosférica baixa, pelo que a retenção do calor dos raios solares é menos eficaz. Isso significa que, por cada 100 metros que subimos acima do nível do mar, a temperatura desce cerca de 0,65ºC. Colocado de forma prática, numa mesma área e no mesmo dia e hora, podemos ter 35ºC ao nível do mar e pouco mais de 30ºC a 750 metros de altitude.

Num clima continental, caracterizado por invernos frios e rigorosos e verões quentes e secos, a altitude pode fazer toda a diferença na fase mais crítica de amadurecimento das uvas (meses de julho, agosto) amenizando os choques de calor. Por outro lado, a menor densidade atmosférica favorece a amplitude térmica entre o dia e a noite: noites frescas no verão é algo que os produtores de vinho adoram, pois permitem uma maturação menos apressada e mais equilibrada das uvas, conservando estas a sua acidez natural e outros compostos importantes.

Portanto, e de forma muito simplista, altitude significa, sobretudo, acidez e frescura, um bem raro e precioso nas regiões de vinho mais afastadas do litoral.

PINHEL, CASTELO RODRIGO E COVA DA BEIRA

TRÊS SUB-REGIÕES

A Beira Interior está longe de ser toda igual e precisamente por isso a Denominação de Origem Controlada (DOC) está dividida em três sub-regiões: Pinhel, Castelo Rodrigo e Cova da Beira. A sub-região de Pinhel começa a norte da cidade da Guarda, em Celorico da Beira, e vai até Mêda e à serra da Marofa a norte, e Trancoso a oeste, contando com uma altitude média de 650 m.

Já a sub-região do Castelo Rodrigo é contígua à de Pinhel, separada desta pelo rio Côa, estendendo-se para o interior até à fronteira com Espanha. O limite norte vai sensivelmente até Figueira de Castelo Rodrigo, com Almeida a delimitá-la a sul. É uma região planáltica, de elevada altitude, entre os 600 e 750 metros. Pinhel e Castelo Rodrigo têm um clima seco, com precipitação anual relativamente baixa e grandes amplitudes térmicas anuais, sendo frequente a queda de neve nas vinhas durante o inverno.

A Cova da Beira é a maior das três sub-regiões e aquela que está mais a sul. O seu limite norte é marcado pelas serras da Estrela e Malcata e estende-se para sul até ao rio Tejo e Vila Velha de Rodão, passando por Castelo Branco. Aqui, a altitude é mais moderada e o clima não tão extremado e continental, tendo já alguma influência mediterrânea. Globalmente, a precipitação é também um pouco mais elevada do que nas sub-regiões de Pinhel e Castelo Rodrigo. E a conjugação de todos destes fatores leva a diferenças sensíveis na maturação face às duas sub-regiões mais a norte, ocorrendo muitas vezes a vindima algumas semanas mais cedo.

Mas fora destas três sub-regiões também há vinha e vinho! Não estando integradas na DOC Beira Interior, as zonas não abrangidas pelas sub-regiões estão contempladas na Indicação Geográfica Terras da Beira.

ALTITUDE, RELEVO, HUMIDADE, TEMPERATURA

DIFERENTES TERROIRS

Diferenças de altitude, relevo, humidade, temperatura, conduzem a diferentes terroirs nos cerca de 16.000ha de vinha da região. Para essa diversidade contribui também o perfil do solo na Beira Interior, que não é homogéneo.

Embora na sua grande maioria tenha uma base granítica, esse granito apresenta diferenças sensíveis, com várias zonas arenosas. Encontram-se igualmente áreas de xisto e filões de quartzo que, geralmente, são solos pouco férteis e pedregosos, o que acaba por controlar de forma natural o vigor e a produtividade das videiras. Por outro lado, a interioridade e, de alguma forma, a menor presença nos principais circuitos de distribuição de vinho, permitiu à Beira Interior conservar grande parte do seu património genético vitícola, patente nas muitas parcelas de vinha velha existentes na região.

Estas vinhas mais antigas, plantadas com diversas castas misturadas, mantêm as variedades mais tradicionais da região, que se foram adaptando às condições particulares daquele clima e solo ao longo de centenas de anos e originam vinhos de grande complexidade e forte sentido de identidade. Do mesmo modo, o clima seco e agreste não favorece as doenças da videira, pelo que a grande maioria das vinhas, antigas e recentes, são trabalhadas ou em modo de produção integrada ou em orgânico/biológico, contribuindo assim para a preservação e sustentabilidade ambiental.

3 TIPOS DE CASTAS

UVAS E VINHOS

As castas utilizadas para produzir os vinhos da Beira Interior podem ser divididas em três tipos, consoante a sua origem: castas locais identitárias, ou seja, aquelas que estão há muito tempo na região e que, de alguma forma, a caracterizam junto do consumidor; castas nacionais, geralmente variedades nobres originárias de regiões limítrofes e que, nos últimos vinte anos, vieram elevar a qualidade média dos vinhos regionais; e castas internacionais, cuja incontornável qualidade e notoriedade ajudam muitas vezes a colocar os vinhos nos mercados de exportação.

Ao nível de castas identitárias cumpre destacar as brancas Síria e Fonte Cal e a tinta Rufete. A Síria, será porventura a variedade que mais apreciadores relacionam com a Beira Interior. Conhecida no Alentejo como Roupeiro, evidencia nestas terras altas beirãs um desempenho qualitativo sem igual noutra região de Portugal, com uma pureza e exuberância aromática e uma frescura de boca inimitáveis. Mas mais identitária até talvez seja a Fonte Cal, uma uva local praticamente inexistente fora da Beira Interior, e que cada vez mais produtores elegem como primeira escolha, graças à estrutura, cremosidade e elegância dos vinhos que origina. Embora possa ter tendência para perder acidez, nas zonas mais altas e, sobretudo, quando colhida atempadamente, essa desvantagem é facilmente ultrapassada. Outras uvas brancas clássicas muito presentes na região são Fernão Pires, Malvasia Fina ou Arinto.

Já a tinta Rufete (chamada Tinta Pinheira no Dão), dominante nas vinhas mais velhas, volta a chamar sobre si as atenções depois de longos anos desprezada devido à débil cor dos seus vinhos. Tem tendência a produzir demasiado, mas quando bem tratada, plantada em solos pouco férteis e controlada a sua produção, origina tintos de enorme delicadeza, com fruta muito elegante, aromas terrosos e taninos suaves e polidos. Nas vinhas tradicionais encontramos igualmente, entre outras, Trincadeira, Jaen ou Marufo.

Nas últimas duas décadas, as vinhas modernas da Beira Interior acolheram diversas outras castas nacionais e internacionais, como a Tinta Roriz, Touriga Nacional, Touriga Franca, Chardonnay, Riesling, Syrah, Merlot ou Cabernet Sauvignon. Entre todas, para além da incontornável e tão adaptável Touriga Nacional, cumpre destacar o notável desempenho da Tinta Roriz/Aragonez, que na Beira Interior encontrou um terroir feito à sua medida. Nas zonas altas e arejadas, mostra um comportamento de excelência, amadurecendo sem tanta pressa, originando vinhos poderosos mas com taninos domados, finos e persistentes.

Seja qual for a casta ou castas utilizadas, as variedades de uva fazem parte de um terroir, onde solo, clima e gentes se moldam e conjugam para criar uma identidade. Esse todo é maior do que a soma das partes e os vinhos da Beira Interior são o reflexo disso mesmo. Vinhos dos altos, brancos, rosés e tintos firmes, sérios, elegantes, longevos, com todo o carácter da terra que os viu nascer.

Textos da autoria de Luís Lopes. Obrigado